Jorge Paiva
Biólogo, Centro de Ecologia Funcional. Departamento de Ciências da Vida. Universidade de Coimbra
RESUMO
Em Portugal, não constituía preocupação autárquica a relevância da biodiversidade urbana. Os autarcas apenas se preocupavam em plantar árvores nalgumas artérias, em intercalarem alguns espaços ajardinados entre o denso casario e, por vezes, em aproveitar subúrbios, ainda ruralizados, para Parques Urbanos, como aconteceu, por exemplo, com o Parque Florestal de Monsanto em Lisboa e, mais recentemente, com o Parque da Paz em Almada.
A função mais relevante das árvores das artérias urbanas não é embelezarem ou sombrearem, mas despoluírem, pelo oxigénio (O2) que produzem e pelo gás carbónico (CO2) que consomem. Por não ser esta a percepção de muitos autarcas (infelizmente, há ainda muito quem continue retrógrado) é que a maioria das árvores das nossas artérias urbanas são exóticas (por exemplo, em Coimbra, das cerca de sete dezenas de espécies de árvores plantadas nas ruas, apenas cerca de uma dúzia são nativas) e são drasticamente podadas. Aliás, na maioria das vezes, não são podas, são “derrotas”. Actualmente, há já bastantes autarquias a plantarem árvores nativas, como, por exemplo, carvalhos (Quercus spp.), medronheiros (Arbutus unedo) e azereiros (Prunus lusitanica).
Muitos animais, particularmente aves e insectos, habitam os amplos espaços urbanos arborizados. Por exemplo, no Jardim Botânico de Coimbra foram inventariadas, na década de 80, cerca de meia centena de aves, algumas pouco comuns, como o dom-fafe (Pyrrhula pyrrhula), outras raramente vistas no meio urbano, como a perdiz-comum (Alectoris rufa) e o mocho-real (Bubo bubo).
Particularmente, a microfauna das áreas verdes urbanas lusitanas está ainda tão mal estudada que basta dar o exemplo de terem sido descobertas, muito recentemente (publicadas em 2009), duas espécies de aranhas, novas para a ciência, uma (Tegenaria barrientosi) no Jardim Botânico de Coimbra e outra (Tegenaria incogsnita) no Parque Florestal de Monsanto (Lisboa).
A agricultura intensiva implicou o derrube de grande número de árvores e a poluição química dos campos, o que provocou uma diminuição drástica do número de insectos, vermes e pequenos mamíferos. Assim, não só muitas aves como até mamíferos procuraram refúgio, como também alimentação nos espaços verdes urbanos. Alguns desses animais passaram até a ter novos nomes vulgares como, por exemplo, a raposa (Vulpes vulpes) que, em Inglaterra, é conhecida como “fox” e a urbana como “city fox”.
Por isso, é comum vermos nos jardins, parques e artérias urbanas muitas aves dos campos, que passaram a ter toda a vivência (do nascimento à morte) fora do meio rural, habitual da espécie, como, por exemplo, melros (Turdus merula). O melro urbano não só tem já hábitos distintos do rural, chegando a não migrar, reproduz-se mais cedo, como também tem várias posturas anuais, com poucos ovos, em vez de uma única, com mais ovos. Até algumas aves de rapina se tornaram urbanas, nidificando nas varandas de prédios, como o falcão-peregrino (Falco peregrinus), actualmente bastante comum nas cidades europeias.
Em Coimbra, actualmente, já se observam, com relativa facilidade, lebres (Lepus europaeus), raposas (Vulpes vulpes), genetas (Genetta genetta), doninhas (Mustela nivalis) e lontras (Lutra lutra), tendo até já ocorrido o atropelamento de um javali (Sus scrofa) junto à entrada principal do Hospital da Universidade. Em Londres, já é relativamente fácil observarem-se texugos (Meles meles) e, em alguns parques de grande dimensão, como, por exemplo, Richmond Park, veados (Cervus elaphus).
Além da fauna e flora nativas, aumentou muito o número de árvores e arbustos exóticos plantados nas áreas verdes mais recentes dos meios urbanos, bem como de animais exóticos, particularmente aves, como a rola-turca (Streptopelia decaoto), já muito frequente, e outras, muitas escapadas de gaiolas, como, por exemplo o barulhento piriquito-de-colar (Psittacula krameri).